quarta-feira, 10 de julho de 2013

Alfarim dos meus olhos verdes

Lembro esses olhos vivos e inquietos
Seguindo cada uma das suas crias
O orgulho de ser mãe, infinito o de ser avó
Recordo as tardes à sombra no quintal
As conversas amenas com risos pelo meio
E a gargalhada pura por entre as tarefas caseiras
Lembro essas mãos com as marcas de uma vida
Mãos que me abraçavam com o beijo sentido
E o brilho da lágrima que não se escondia
Lembro o carinho e o amor que também eu recebi
Quando as forças me faltaram naquele tempo
E que tão bem me souberam…
Que me entusiasmaram a voltar a ser eu
Recordo tanto, tanto, tanto
Que as memórias tropeçam cá dentro
Fico baralhado com os acontecimentos
Recordo noites, recordo dias, tristezas e alegrias
Guardo para sempre imagens de ternura
Viajo de volta ao que já vivi
E dói-me…

Dói-me de verdade cá dentro
Multiplica-se a dor pela razão da amizade
Sofro por cada um dos meus amigos
Barcos que velejam ao largo
E que ali voltam sempre que o mar ruge
Na certeza da existência dum porto de abrigo
Irmãos de verdade unidos pelo amor
Daquela que sempre soube amá-los
Compreendê-los e aceitá-los
Na adaptada e justa medida das suas dimensões

Dói-me de verdade cá dentro
Agora que questiono onde está, o que vê, o que sente?
Vêm-me à memória outras tardes diferentes desta
Com gente à volta e a certeza dum calmo final do dia
Em que juntos ceávamos tristeza
Mas convictos da amizade que partilhávamos
E apostados em sentir o bem que nos fazíamos
Ali estávamos sabendo exatamente porquê ali
Porque era ali precisamente que queríamos estar
Uns com os outros, amigos de verdade

Lembro os olhos vivos e inquietos
Saltando de rosto para rosto
Sem deixar perceber qual aquele que mais os prendia
Recordo a sagacidade do piscar desses olhos
Quando viam o que não deixavam entender
Anos e anos de sabedoria temperada no coração
O rosto limpo de dar a cara pelos seus
Queimado por andar levantado de encontro ao sol
Lembro a luz e as sombras, os vasos, as flores, o frio e o calor
O quintal dos sonhos, dos amigos e de quem aparecia
Os desenhos, as cores, o lume e as sardinhas
Sem preço nem pressa ao final do dia
Oferecidos com vontade e indelével sabor
Recordo tanto, tanto, tanto
Que o coração insiste em bater nesta estúpida aceleração
Tento ficar tranquilo e acalmar o ritmo
Porque a vida tem os seus compassos e o maestro é Deus
Afinal a orquestra há muito ensaiada
Toda a sua vida tocou hinos de amor
E é por isso que me dói …

… /…

Um comentário:

a_ciganita disse...

A dor dói na tristeza do já não se ter. Mas vêm outras alegrias, outras dores, outros olhares, outros sentires. E a alegria de muitos pode ser a tristeza de outros. A vida tem destas coisas. Inegável essa orquestra da qual seremos músicos autodidactas. Afinal acumulamos sustenidos que transformamos em bemóis e claves de sol que tocamos em dó maior ou menor, consoante as forças que tivermos, a vontade que nos anima ou, ainda, as defesas que precisemos. No caldo obtido, banham-se as lembranças de passados, trazidos para um presente. E sonha-se e vive-se agarrados a amarras que não cortamos, porque muitas dessas dores queremos que fiquem para sempre.