sábado, 27 de julho de 2013

Para sempre o Alentejo... (texto dedicado à família Vinagre)

O Alentejo entrou em mim, vão completar-se em Agosto, vinte e quatro anos.

Não que nunca o tivesse visto antes, uma vez que os meus pais tentaram dar-nos a conhecer, a mim e ao meu irmão, o nosso país, primeiramente.
Verdade, também, que, da parte do meu pai, existiu sempre uma preferência por viajar a Norte, fruto de memórias forçadas da sua meninice. Afinal, o Colégio Interno de Lamego e as férias passadas em Castro d’Aire condicionaram para sempre o seu imaginário de jovem adolescente. Creio hoje que, desde sempre, nele se instalou um desejo de estar bem consigo próprio quando recordasse a sua juventude, de certa forma triste.

Mais tarde, lembro que, sempre que de uma viagem se tratasse, a mesma era anunciada e discutida em família, normalmente à mesa da casa de jantar, logo após a refeição, ocasião em que o nosso pai desenvolvia longas conversas connosco. Foi assim que tomámos os primeiros contactos com a história e geografia universal e europeia, aprendemos cidades, capitais, moedas e bandeiras e foi assim, também, que ouvimos as primeiras músicas de Gilbert Bécaud, Hervé Villard, Carlos do Carmo, Água Viva e começámos a rir com o Raúl Solnado. Afinal, o gira-discos Radiola a pilhas ou de corrente elétrica em forma de mala foi muitas vezes a sobremesa dos almoços ou jantares em família,  altura em que faltava a luz diariamente, quase sempre à hora do telejornal.

De volta às viagens dentro de Portugal, quase diria que o nosso mapa de Portugal faria sentido traçando uma linha que dividisse o país à latitude de Lisboa. Poupava-se papel e o volume no porta-luvas do velho Mercedes seria menor.
Ficava, assim, o Sul relegado para segundo plano, criando em nós uma aura de mistério.
E o sol, e o calor, e as praias que ouvíamos dizer serem as do Algarve as melhores!?
Qual quê, quando comparado com o verde do Gerês ou do Buçaco, a água da Curia, do Luso, de Vidago… e o que dizer da gastronomia do Norte!? Rica, muito bem servida (!?...).

Assim crescemos durante a primeira dúzia de anos das nossas vidas, felizes por termos tido a sorte de poder viajar, experimentar tradições, fazer amigos nas férias, vermos neve pela primeira vez, ter conhecido a segunda e a terceira cidades do país, naturalmente o Porto e Coimbra. Mas, e o Alentejo!?...
Cheguei a pensar que nunca o iria conhecer. Portugal terminava em Tróia. Havia como que uma linha que passava por Setúbal, subia até Abrantes e seguia até Espanha, tendo o Tejo como fronteira.
Afinal, guardado estava o melhor bocado.

No ano de 1977, uma situação extraordinária aconteceu nas nossas vidas! Eu e o meu irmão recebemos um convite de uns amigos nossos para passarmos uma semana no Algarve, na Quinta da Balaia, ao pé de Albufeira! Finalmente a oportunidade de desbravarmos terras do Alentejo e chegarmos assim à terra prometida do Algarve, que para nós era quase como que o estrangeiro…
Na semana após o falecimento do nosso avô Rafael, em Setembro, a título de férias merecidas e a fim de todos podermos aliviar a carga emocional dos últimos tempos, fizemo-nos à estrada, desta vez justificando a existência do meio-mapa nunca utilizado. Até as cores da impressão, que diferiam de província para província, eram mais vivas, tal a falta de uso.
Curioso que, mesmo assim, dessa viagem ficou-me o Algarve na memória, mas o Alentejo foi percorrido à velocidade “louca” que o velho Mercedes permitia… Guardei o Canal Caveira e a Mimosa como pontos obrigatórios de passagem e o sonho de lá voltar um dia.

Dez anos se passaram até que eu, já encartado, pudesse aventurar-me naquela que foi uma das grandes descobertas da minha vida. Quis o destino que, no desempenho da minha atividade profissional de então, me calhasse o Alto Alentejo como território para trabalhar, de Vendas Novas a Elvas, das Alcáçovas a Campo Maior, de Portel a Pavia! Mal sabia eu o que me esperava e o quanto a minha vida se modificaria a partir de então.

As memórias vêm à tona e começa a ser difícil ordená-las.
Com a tranquilidade própria dos dias no Alentejo, tento saboreá-las uma a uma. Nem sei qual aquela que, de forma mais tranquila, me deixou para sempre na boca o sabor daquele tanino sedoso que só o tempo apura.
Chego à conclusão que são as pessoas, uma vez mais, o que realmente importa.
Recordo agora o Professor Ulisses Duarte, com quem comecei a trabalhar, andava eu, ainda, no liceu. Disse-me ele um dia que as gentes do sul olhavam mais longe, de acordo com a paisagem local, a se perder de vista. Queria com isto dizer que os sonhos eram infinitos e a suas mentes não eram redutoras ao ponto de se contentarem com o vazio dos seus dias e repetição das rotinas diárias que têm o sol como marcador maior.

No Alentejo, as pessoas dão os braços e juntos embalam num ritmo calmo, só visível na própria força do trigo que cresce ao vento nas enormes searas ao som das cigarras escondidas, por entre sobreiros e chaparros.

Começar o dia em Mora, passar por Cabeção, Almoçar em Arraiolos, dar um pulo ao Vimieiro e ir dormir a Évora, para no dia seguinte, sair por S. Miguel de Machede, Évoramonte, Estremoz, saborear um bom Borba tinto na terra que lhe dá o nome, lanchar em Vila Viçosa e regressar a Évora pelo Alandroal e Redondo… só de pensar, sinto vontade de regressar.

Por entre estes percursos, a generosidade é uma constante. Não esquecerei nunca aquela senhora que várias pragas nos rogou, a nós que no desempenho da nossa atividade, ali estávamos a empatar-lhe a vida, a ela que tanto lhe fazia almoçar ao meio-dia como às duas da tarde. Depois de estabelecido o diálogo, por entre conversas e confissões, acabou por nos convidar a irmos comer qualquer coisa a sua casa, uma vez que estar tanto tempo sem comer fazia-nos mal. Percebemos de imediato que o que a tocou foi o facto de ter entrado no conhecimento que ali estávamos duas semanas seguidas, sem o carinho e o conforto dos nossos lares e até, no meu caso, longe da minha bebé. As Alentejanas são assim! Inicialmente fechadas e até um pouco desconfiadas, para logo depois abrirem os seus enormes corações de mulheres e mães grandiosas.  

Como esquecer aquele dia em que, já o sol se punha no horizonte e eu ainda em Estremoz, conheci o Sr. José d’Alter, emblema do Estremoz de então. Ali fiquei, no seu estabelecimento, umas horas a ouvir as suas histórias, como aquela do cavalo, com o militar de montada, que entrou na sua loja e foi beber ao balcão. Nesse dia, comeu-se, bebeu-se e ouviram-se fados. Ao final da noite, eu era já o amigo Rafael e isso deu-me o privilégio de trazer para casa uma cassete com fados interpretados pelo anfitrião, devidamente assinalada com uma dedicatória escrita. Ainda hoje a guardo religiosamente como importante troféu da minha vida.

Do Alentejo também me ficou o sentido de oportunidade, a piada malandra mas inteligente, a sensualidade… como naquele dia em que conheci num consultório médico uma senhora muito bonita, elegante, atraente de verdade, já na casa dos quarenta anos, o que para mim, naquela altura era uma diferença de idade significativa. Sabendo eu de quem se tratava, uma vez que ia recomendado por um colega, apresentei-me, proferindo o seu nome e certo de que se trataria da mesma pessoa. A resposta foi pronta, “sim, sou Cândida, mas só de nome…”.

O Alentejo tem disto.
Momentos que se entranham em nós. Tertúlias e tertúlias no Isaías, jantares no Sr. José Luís, de vez em quando lanches na “ourivesaria” do Sr. Amor, mais conhecida por Restaurante Fialho. Viagens de fim de dia, a ouvir música clássica através das searas douradas, interrompidas por pontos em tons verde-escuro.
Transporto pois comigo os paladares, os cheiros e as cores do Alentejo, patentes em algumas obras minhas. Aguarelas das planícies, poemas sobre as gentes. Sinto hoje que a minha vida é uma preparação para o que aí vem. Quem sabe, um dia mudo-me para lá (!?...)

Quis ainda o destino que, ao longo da minha vida, tivesse vivido com duas alentejanas, dando-me a oportunidade de assim conhecer e partilhar a grandiosidade e generosidade das gentes do Baixo Alentejo. Curioso que, ao longo destes anos, quando pensava, o Alto Alentejo lembrava-me os amigos e o Baixo Alentejo era, para mim, sinónimo de família…

Quilómetros e quilómetros a bordo do Fiat Uno sem ar condicionado, quilómetros e quilómetros à boleia num Smart. A certeza de bons momentos passados à volta da mesa e o aconchego que só os sentimentos nobres, existentes entre pessoas que se gostam, permitem.

Faz hoje quase 24 anos que o Alentejo entrou em mim.

Ao fim deste tempo todo, estou a regressar a casa, depois de dois dias passados em Évora, na casa dos meus amigos Vinagre, o Miguel, a Isabel e o Tomás.
Regresso tranquilo e cheio, como de todas as vezes que regressei do Alentejo. 
Vim de Évora, capital do Alto Alentejo, o que, como já disse foi sempre sinónimo de amizade, como foi de família quando há pouco referi do Baixo Alentejo. 
O que importa? Talvez se confundam, talvez esse conceito exista só na minha cabeça. O que vale mesmo são as pessoas e essas estão cá dentro todas misturadas, as que conheci no Alentejo e as que conheci noutros lugares, amigos e família.
Foram dois dias em grande, a condizer com a nossa ligação. Ficou a promessa de voltar. De mota ou de carro, de comboio ou camioneta, ou mesmo de vespa, voltarei à mesma velocidade, a velocidade que o meu coração exige quando se tratam pessoas de quem eu gosto e que gostam de mim, sejam elas amigas ou família.

Se calhar, volto já para a semana…

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2 comentários:

Anônimo disse...

obrigado João....realmente o Alentejo é apaixonante. E e perto de Lisboa!

Unknown disse...

e os vinagres são boa gente!