terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Casas com vida

Montamos e desmontamos a vida como quem muda de casa.
Primeiro é o encanto, a descoberta do local certo, depois a afeição e a busca da comodidade, mais tarde a tranquilidade, os dias que correm e a vida que se cumpre, seguem-se os primeiros sinais de desconforto que iniciam o processo de desejo de nova mudança, seguidos de um novo entusiasmo, mais as circunstâncias da vida que nos obrigam e ou ajudam a tomar uma decisão. E a mudança dá-se mais uma vez.
Repetimo-la vezes e vezes, quase sempre convictos que o passo tomado é o certo.
Se de cada vez que o fazemos, for essa mudança para melhor, mais acolhedor o espaço, mais bonito e aprazível o local, vivemos felizes e ficamos de bem com o mundo e, sobretudo, connosco próprios.
Acontece que, como em tudo na vida, nada pode ser visto isolado do todo.
Mais a mais quando, como é o caso, falamos de espaços, onde circulamos envoltos em pensamentos, recordações, afetos, medos, onde tomamos decisões, comemoramos, entristecemos e tudo o mais pelo que passamos e vivemos durante as nossas vidas.
A nossa casa é a nossa família, são os nossos amigos, todos quantos atravessam a porta da entrada e partilham o que mais de nosso existe. A nossa casa são também todos aqueles que já partiram, mas que ocuparam e ocupam espaço…
Uma casa é um cofre recheado de bens preciosos, invisíveis é certo, que nenhuma seguradora correria o risco de assumir a cobertura em caso de vandalização, porque é impossível avaliar o montante dos bens segurados e a dimensão dos danos causados. Sejamos, pois, guardiões desses bens e guardemos em nós esse património.
Na minha casa, cada divisão é um braço do meu corpo, que me abraça a cada investida no seu interior. Cada porta que abro, deixa fugir uma gargalhada ou um choro perdido por detrás dela. Cada objecto é parte do meu coração, que bombeia emoções e histórias associadas a cada um deles. Cada odor faz parte de uma qualquer memória que me excita os receptores neurológicos e me vicia, ao ponto de colecionar cheiros desde pequeno.
De cada vez que mudo de casa tenho de levar tudo isto comigo. Só assim posso dizer que esta é a minha nova casa. Só assim me consigo sentir em minha casa, de novo.
Ainda que o espaço seja menor, nela tem de caber tanta coisa, e a cada nova mudança, vou acumulando vida.
Quando mudamos de casa, montamos e desmontamos móveis como quem monta e desmonta a própria vida.

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Um comentário:

a_ciganita disse...

A minha casinha também está cheia de cores e cheiros. Não mudo muitas coisas, apenas as transformo, exactamente como os sentimentos que albergo em mim e nela e nela e em mim. É assim que jamais sinto as coisas como velhas, antes, sempre lindas e merecedoras de um sorriso, de um descanso e de muitos agradecimentos. A minha casinha tem coisas com corações e almas e muita música e cortinados amarelos para que o Sol esteja sempre dentro dela. E quando a visitam, as pessoas deixam um pouco de si: um lugar onde se sentaram de perna traçada; um banco que ao resvalar no chão chiou; uma ruga no tapete azul e branco a dar um toque desarrumado, que gosto. A minha casinha tem vida, tem amor e muitos risos. E as lembranças tristes que também nela habitam, aos poucos, vão-se convertendo em doces recordações e novas cores e novos cheiros. É a vida que respiro e amo a soltar-se por entre os objectos multicolores, a lembrar que existo e todos, todos os que amo existem.