Lembro esses
olhos vivos e inquietos
Seguindo
cada uma das suas crias
O orgulho de
ser mãe, infinito o de ser avó
Recordo as
tardes à sombra no quintal
As conversas
amenas com risos pelo meio
E a
gargalhada pura por entre as tarefas caseiras
Lembro essas
mãos com as marcas de uma vida
Mãos que me
abraçavam com o beijo sentido
E o brilho
da lágrima que não se escondia
Lembro o
carinho e o amor que também eu recebi
Quando as
forças me faltaram naquele tempo
E que tão
bem me souberam…
Que me
entusiasmaram a voltar a ser eu
Recordo
tanto, tanto, tanto
Que as
memórias tropeçam cá dentro
Fico
baralhado com os acontecimentos
Recordo
noites, recordo dias, tristezas e alegrias
Guardo para
sempre imagens de ternura
Viajo de
volta ao que já vivi
E dói-me…
Dói-me de
verdade cá dentro
Multiplica-se
a dor pela razão da amizade
Sofro por
cada um dos meus amigos
Barcos que
velejam ao largo
E que ali
voltam sempre que o mar ruge
Na certeza da
existência dum porto de abrigo
Irmãos de
verdade unidos pelo amor
Daquela que
sempre soube amá-los
Compreendê-los
e aceitá-los
Na adaptada
e justa medida das suas dimensões
Dói-me de
verdade cá dentro
Agora que
questiono onde está, o que vê, o que sente?
Vêm-me à
memória outras tardes diferentes desta
Com gente à
volta e a certeza dum calmo final do dia
Em que
juntos ceávamos tristeza
Mas
convictos da amizade que partilhávamos
E apostados
em sentir o bem que nos fazíamos
Ali
estávamos sabendo exatamente porquê ali
Porque era
ali precisamente que queríamos estar
Uns com os
outros, amigos de verdade
Lembro os
olhos vivos e inquietos
Saltando de
rosto para rosto
Sem deixar
perceber qual aquele que mais os prendia
Recordo a
sagacidade do piscar desses olhos
Quando viam
o que não deixavam entender
Anos e anos
de sabedoria temperada no coração
O rosto limpo
de dar a cara pelos seus
Queimado por
andar levantado de encontro ao sol
Lembro a luz
e as sombras, os vasos, as flores, o frio e o calor
O quintal
dos sonhos, dos amigos e de quem aparecia
Os desenhos,
as cores, o lume e as sardinhas
Sem preço
nem pressa ao final do dia
Oferecidos
com vontade e indelével sabor
Recordo
tanto, tanto, tanto
Que o
coração insiste em bater nesta estúpida aceleração
Tento ficar tranquilo
e acalmar o ritmo
Porque a
vida tem os seus compassos e o maestro é Deus
Afinal a
orquestra há muito ensaiada
Toda a sua
vida tocou hinos de amor
E é por isso
que me dói …
… /…
Um comentário:
A dor dói na tristeza do já não se ter. Mas vêm outras alegrias, outras dores, outros olhares, outros sentires. E a alegria de muitos pode ser a tristeza de outros. A vida tem destas coisas. Inegável essa orquestra da qual seremos músicos autodidactas. Afinal acumulamos sustenidos que transformamos em bemóis e claves de sol que tocamos em dó maior ou menor, consoante as forças que tivermos, a vontade que nos anima ou, ainda, as defesas que precisemos. No caldo obtido, banham-se as lembranças de passados, trazidos para um presente. E sonha-se e vive-se agarrados a amarras que não cortamos, porque muitas dessas dores queremos que fiquem para sempre.
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