quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Ida ao cinema

Duas fortes emoções num só dia…
A primeira ida ao cinema e logo num carro que, juntamente com o Mini, preenchia o meu imaginário em criança, o Fiat 600!
Recordo-o como se fosse hoje, branquinho, com os bancos estofados em pele encarnada e os topos das costas em branco. O volante grande, feito de massa cinzenta, e as portas que abriam no sentido inverso, da frente para trás, conferiam-lhe o ar retro.
Depois do motor pegar e enquanto não aquecia bem, o carro estremecia num permanente engasgo. Já quente, por vezes de mais, havia a necessidade de abrir a tampa que o resguardava, na traseira, para que pudesse arrefecer mais facilmente.
Naquele dia, tudo era emoção!
Eu e o meu irmão íamos ao cinema S. José, em Sacavém, ver os Flinstones com a nossa amiga, quase irmã, Ilda, acompanhados pelo seu pai, o Sr. António, amigo para toda a vida e figura tão presente na minha adolescência.
Recordo que talvez tenha sido a primeira vez que saímos sem a presença dos nossos pais, tal era a confiança que depositavam no Sr. António! O meu irmão deveria ter cinco anos e eu três.
E lá fomos, felizes como nunca…
O Sr. António estacionou o velhinho Fiat 600 ao fundo da rua do cinema, a caminho da Fábrica da Loiça de Sacavém que vivia anos de próspera produção.
A mãe da Ilda, a Dna. Marília, era lá que trabalhava e a loiça de Sacavém fazia parte do nosso quotidiano. De vez em quando trazia-nos uma ou outra peça curiosa. As casas mealheiros foram disso um exemplo, talvez o melhor. Ainda hoje lembro que uma e outra tinham o nosso nome, “Vivenda Nuno André” e “Vivenda João Rafael”, além da inscrição “Junte aqui na casinha que junta para si. Quanto mais juntar mais há-de encontrar”.
Hoje, a fábrica já não existe, a loiça também não, o meu mealheiro partiu-se e Sacavém é a localidade do meu dentista, filho do dentista de família de então, meu dentista também, até me tornar adulto.
Quarenta e cinco anos depois, encontro-me exactamente aqui no seu consultório, que fica mesmo em frente ao cinema S. José e não posso deixar de sentir uma certa nostalgia, razão destas memórias tão vivas.
Ali, no outro lado da rua, eu e o meu irmão, há quarenta e cinco anos, vivemos um dos dias mais emocionantes das nossas vidas, até então.
E a memória mais doce é a que guardo já de dentro da grande sala, quando o meu irmão ao ver o écran, novidade para nós, me disse baixinho ao ouvido, “agora vem um senhor ao palco rodar o botão e acender a televisão gigante…”. Eu acreditei. Aliás, o que o meu irmão dizia era para mim sagrado.
Depois, foi só rir com os Flinstones!
Não me lembro de mais nada que se tenha passado nesse dia, a não ser que a fila dos prédios onde é hoje o consultório do Dr. Tobias, filho, nem sequer existia. No seu lugar, havia uma enorme ribanceira que separava Sacavém de cima de Sacavém de baixo e que o Fiat 600 ficou estacionado mesmo à sua beirinha, o que me meteu medo.
Algum tempo depois, o Sr. António vendeu o Fiat 600 e comprou um Vauxhall Victor, cinzento-escuro e nós continuámos a crescer e a ir mais vezes ao cinema.

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Um comentário:

a_ciganita disse...

Como é bom recordar os passos bonitos que nos faziam dar, as oferendas, os sentimentos das novidades. Estão muito bonitos e ternos estes teus momentos revisitados.