Obrigado Coronel Carreira, obrigado Capitão Sousa Machado, obrigado
Sr. Fialho, obrigado Dna. Dália!
Naquele dia, faz hoje vinte e sete anos, não houve tropa para mim…
Motivo, dia de ser pai… O bebé, uma menina…
Como já programado, naquela quarta-feira, pelas 09h00, a mãe deu
entrada no nº 81 da Rua Marques da Silva, à Almirante Reis.
Estava um dia encoberto, mas pouco importava, fechados que estávamos
naquele quarto, num dos pisos superiores do edifício.
O sol haveria de nascer mais cedo, ou mais tarde.
Aliás, o Dr. Pedro Montargil, naquele dia, foi o responsável pelo
nascer do sol, o que aconteceu já tarde, pelas 21h30.
Nunca um dia teve tantas horas.
Habituado que estava a fazer serviços nocturnos de sentinela, pensei
que seria fácil a espera, mas não, aquele plantão parecia interminável.
Assim que deu entrada no quarto, a mãe foi logo colocada a soro, na
tentativa de lhe provocarem o parto.
As horas sucederam-se e as revistas, compradas no quiosque da
Almirante Reis, foram todas lidas, pela mãe, mais do que uma vez…
As futuras avós não arredaram pé e foram companheiras solidárias, a
tempo inteiro.
O pai sabia ao que estava, mas naquele dia, sentiu-se mais homem,
porque o que engrandece os homens são as emoções. Vivê-las é bem mais nobre do
que contê-las…
Ao longo do dia, foram aparecendo todos, tios, prima, amigos, à espera
do desenrolar dos acontecimentos e… as horas passavam sem que houvesse
novidades.
O pai, cada vez mais nervoso e a mãe, no leito da espera, cada vez
mais actualizada, fruto da leitura mediática.
Num dos momentos de descida à porta principal, para fumar um cigarro
(naquela altura eu ainda fumava), dei conta da existência de duas lâmpadas, na
sala da entrada do edifício, uma azul e outra cor-de-rosa… Foi-me explicado que
aquele era o local onde os familiares e amigos esperavam as boas-novas. No caso
de ser uma menina, acender-se-ia a lâmpada cor-de-rosa, no caso de ser menino,
a azul.
Nada que enganar, ali estava a lâmpada cor-de-rosa, que veríamos
acender, iluminando-nos os corações e dando as boas-vindas à nossa bebé. Só que
não havia meio…
As visitas do Dr. Pedro Montargil ao quarto onde a mãe esperava, na
sua calma aparente, sucediam-se e o cenário da realização de uma cesariana, foi
ganhando corpo.
A hora a que deveria acontecer, foi decidida. Por volta das 21h00
dariam início à cesariana…
A tarde foi passando e a ansiedade aumentando.
Os amigos e alguns familiares não aguentaram a espera e optaram por ir
jantar à Portugália.
Ficámos nós, o pai e as duas avós, ali, na sala de entrada, à espera
que a mãe desse à luz, na sala de partos e que essa energia tomasse cor na
lâmpada cor-de-rosa, por cima do balcão da recepção.
Nessa altura, eu não só fumava, como também roía as unhas…
A avó Augusta, sofria calada, alternando o olhar, ora pousado em mim,
ora pousado na avó Teresa.
A avó Teresa, por sua vez, com as mãos entrelaçadas, rezava uma Avé
Maria, daquelas cheias de emoção, como só ela sabia rezar e que me enchiam de
força.
Eu não tirava os olhos da lâmpada cor-de-rosa que teimava em não
acender.
Há momentos que não se esquecem e aquele perdurará na minha memória
para todo o sempre.
Aqueles minutos de espera, começaram a mudar o resto da minha vida.
Naquele espaço de tempo,que mediou o início do trabalho de parto até
ao nascer do sol, percebi o que seria um amor para toda a vida. Percebi também
que ali, ao meu lado, estava a pessoa que tinha selado o mesmo contrato comigo,
vinte e um anos atrás, a minha mãe.
Enquanto todos jantavam na Portugália, ali estávamos nós, bastante cúmplices
e partilhando cada segundo.
A Dna. Augusta, a sofrer pela filha, a mãe da bebé. A alegria de poder
ser avó pela primeira vez…
O tempo arrastava-se e ainda hoje, quando recordo, revejo imagens em
câmara lenta…
Quando a luz se acendeu, quase que consegui ver o filamento da lâmpada
a tornar-se encandescente, aos poucos. A cor-de-rosa iluminou-nos…
O pulo, seguido do abraço a três, foi sincero e revelador.
Naquele momento, éramos as pessoas mais felizes do mundo!
Riso e lágrimas e um nó enorme na garganta, recordo que foi assim.
De repente, a imagem, muda, surda, em câmara lenta, foi interrompida
pelo grito da minha mãe, que nos trouxe à realidade e à rotação certa do filme:
- É uma menina! – o que já todos esperávamos…
Mais risos, choros, beijos e abraços.
E a minha mãe, outra vez:
- Olhem, agora é azul! É um menino! – como possível se as ecografias…
(!?...)
Leves segundos e gritei eu:
- São dois! São gémeos!...
E abraçámo-nos mais, como quem abraça todas as crianças do mundo.
Afinal foi engano, foi só uma, mas que valeu por todas…
Faz hoje vinte e sete anos que nasceu o amor da minha vida. O meu amor…
Naquele dia não fui à tropa. O dia foi de paz e ainda antes de regressar
a casa, por breves momentos, pude abraçar a mãe.
Nesse dia, recordo, passei a noite estendido ao lado da minha mãe, a
conversarmos, tal era a excitação e alegria de ambos…
Bem-vinda Catarina!...
… /…
Um comentário:
Lindo texto!!!!
Interessante ver a sensação contada pela boca do pai. Normalmente são as mães que têm esse privilégio...
Essa menina (mulher) é com certeza muito feliz por se sentir amada dessa forma. Parabéns. Beijinhos.
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