Mete-me nojo quando ligo a televisão e deparo com a histeria levada
ao extremo, apresentada nos programas das manhãs, apenas interrompida pelos
intermináveis blocos de publicidade, que confundem as cabeças ainda perturbadas
pelo vazio dos conteúdos televisivos.
Decido fazer um zapping
rápido, na tentativa de encontrar um tema que me desperte a atenção.
Paro na TVI, que apresenta uma reportagem sobre um dos assuntos mais
mediáticos da presente atualidade nacional, a morte estúpida dos seis
estudantes, na praia do Meco.
Que nojo me mete a corja que governa o meu país.
Que nojo me mete quem comanda os braços analfabetizantes e fascistoides
que atrofiam o meu país.
Metem-me nojo as vozes, falsamente doridas, que imprimem emoções aos
programas de televisão, dividindo as mesmas, entre o choro sentido, provocado,
e a gargalhada brejeira, gozadora e achincalhatória.
Metem-me nojo todos aqueles que, em determinada ocasião e beneficiando
da feliz conjuntura profissional com que foram brindadas as suas vidas, puderam
intervir e legislar, no sentido de nos terem proporcionado um modelo de
sociedade melhor, mais justo e mais solidário e não o fizeram.
Metem-me nojo os que, ao longo dos anos de parasitismo político,
puderam instigar programas de elasticidade intelectual, esquecendo, por uma
vez, a febre do retorno imediato e adrenalinóide que as modas carregam,
transformada na obsessão de sucesso cego, que se deseja mostrar ao mundo. Para
não falar do poder que a fama e o dinheiro representam nos modelos de
sociedades ditas modernas, cada vez mais perigosas e vazias.
Mete-me nojo o tempo perdido na procura dos vocábulos politicamente
corretos, meticulosamente estudados, para serem proferidos em frente das
câmaras, balanceados entre o efeito do discurso impactante e a consciência do
vazio do conteúdo do mesmo, deixando todos num silêncio redutor, convencidos
que muito mais haveria para dizer, não fosse a urgência de se avançar para mais
um bloco de publicidade.
Mete-me nojo o amontoado de processos sujos e injustiças que se vão
acumulando nas barras dos tribunais. O dinheiro e tempo gastos nas edições das
parangonas diárias, como se, apenas por isso, fosse obrigatório reconhecer-se e
valorizar-se todos aqueles que intervêm na abordagem das situações e que, à
partida, já sabem que quanto mais mexem na porcaria, mais ela cheira mal.
Mete-me nojo que ninguém se preocupe com as dúvidas, mágoas e
angústias, que se vão acumulando no supremo tribunal da nossa existência, a
nossa consciência.
Enquanto crianças, falam-nos de um mundo belo, afastam-nos da
realidade dura e empurram-nos para a ficção.
Falam-nos do sucesso como se da Pedra Filosofal se tratasse, não só
permitindo-nos obter o elixir da longa vida, como a felicidade também, sem,
para isso, ser necessário dar algo em troca.
Atiram-nos com a obrigatoriedade de cumprirmos com os deveres de
cidadão, impostos por gente que aprova leis injustas e obsoletas, se possível
sem as questionarmos, ou tão-somente nos questionarmos a quem elas servem, como
se essa fosse a única forma e a mais garantida para nos sentirmos ressarcidos e
com isso podermos ser felizes.
Ensinam-nos a ser líderes. Dizem-nos que o importante é vencer,
vencer, vencer e não nos avisam que a derrota também existe. Quantos mais olhos
em cima de nós, melhor, porque para os derrotados, não faltarão dedos
acusadores, inquisidores, os mesmos dedos que fazem parte da mão, cuja tarefa
mais nobre que pode exercer é a de ajudar a reerguer. Por vezes resumem o nosso
papel à máxima que diz que a vida é curta e que o mais importante é safarmo-nos
enquanto nela cá andarmos…
Esquecem-se afinal de nos educar, ou fazem por se esquecer de nos ajudarem
a transformarmo-nos em pessoas melhores, verdadeiros seres humanos.
Embrulham, muito bem embrulhados, os valores essenciais, como o são, a
liberdade, a solidariedade, a justiça e o respeito pelo próximo, colocando-os
numa vitrina, onde são expostos de uma forma inacessível, mas à vista de todos,
utilizando-os, sempre que necessários, em rituais manipuladores, que vão dos
discursos redondos de conjuntura, às lágrimas secas, amorfas, mas em quantidade
razoável, sempre que de verdadeiras tragédias se trata.
Assim está a acontecer com a tragédia do Meco.
Que as praxes são estúpidas, todos nós sabemos. Que os meninos e as
meninas que se entretêm com elas são estúpidos, também já se sabe, o que importa
é que se previna enquanto é tempo. Que estes meninos não se tornem em gente
perigosa que, mais dia, menos dia, encabeçará o board de uma empresa ou governo
deste país.
E nesta cultura estupidificante, ninguém se preocupa verdadeiramente
com a angústia profundamente marcada nas expressões dos rostos daquelas mães,
cujas vidas, tais como as dos seus filhos, foram interrompidas por uma onda
grandiosa e assassina que, além da força da água, transportava a força da
injustiça em que vivemos neste nosso país, também ele praxado pelos seus
iguais. Oh, país este em que a educação, a cultura e a justiça são
constantemente adiadas.
Aquelas mães carregam neste momento a maior das dores que alguém pode
transportar. E irão carregá-la sozinhas durante o resto das suas vidas porque,
em breve, os tribunais colocarão este processo no monte dos processos ad aeternum, junto do processo de
Camarate, do processo da Casa Pia, do processo do BPN, do processo de
Entre-os-Rios, do processo do desaparecimento do Rui Pedro, já lá vão tantos
anos e tantos outros que não tiveram sequer direito a tempo de antena, porque,
vá-se lá saber porquê, não justificavam o share das audiências.
Mesmo a televisão, em breve, deixará de falar no assunto, interrompida
que será por um necessário bloco de publicidade que viabilizará uma qualquer
Casa dos Segredos.
Afinal, há tantas outras coisas que indignam verdadeiramente os portugueses…
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