O Natal está a chegar!
Todos os anos ele chega, por esta altura, embora insistam em fazê-lo
chegar, a cada ano, mais cedo.
Sente-se! Cheira-se! No ar, na rua, nas pessoas, de maneiras diferentes,
todas elas notáveis, o que faz do Natal único para cada um de nós. Uma época
curiosa, também.
Aqui estou, sentado, na pastelaria onde me sento todas as manhãs a ler
o jornal, ou a escrever um pouco, aproveitando ainda para comprar o pão que
depois, a três, serve de arranque para mais um dia, sentados à mesa a tomar o pequeno-almoço,
por entre conversas de partilha de sonhos ou de retoma de algum assunto de véspera
que não foi concluído porque a minha neta Laura não deixou…
A Laura está maior e mais interventiva. A sua presença faz-se notar
mais a cada dia e o pão é mesmo a dividir por três! Já nas conversas, é
diferente… Intervém, participa, mas a forma recorrente de mostrar o seu
descontentamento, ou opinião contrária, recai sempre no fatídico choro, ou na
malfadada birra. No próximo Natal, estou certo, já será diferente…
Aqui, na pastelaria, sente-se sobremaneira o Natal, a começar pelo
comportamento das pessoas ao entrarem a porta, escapando-se ao frio que faz lá
fora e que por isso pede um café bem quentinho e qualquer coisa doce a condizer
com a quadra.
Aqui dentro faz calor! Conversa-se muito, as pessoas cumprimentam-se e
há gargalhadas no ar.
O balcão da pastelaria está diferente, repleto de iguarias. Prepara-se
a bancada provisória para receber os bolos-reis e nas vitrinas encontram-se já
as tão apreciadas broas castelar.
O burburinho das conversas atinge os corações e centra-se nos planos
que cada um tem para a noite da sua consoada.
As senhoras falam dos hábitos familiares e das tradições das terras dos
seus antepassados. Usos e costumes ancestrais! Contam pelos dedos o número de
familiares que cada uma conseguirá reunir à volta da sua mesa. As crianças são
o centro das atenções. Afinal, elas são a verdadeira razão do Natal, dizem.
As mais distraídas com esta coisa do Natal, entusiasmam-se, também,
com a conversa e, por vezes, ouve-se ao balcão:
- Ó menina, pague-se aqui, que tenho ainda a árvore de Natal para
fazer, mais o musgo que não sei onde vou encontrar!?... Isto não é vida p’ra
mim, estar aqui a tagarelar!... – diz, enquanto me pisca o olho.
- Já vou!... – é a resposta mais habitual, dada por cada uma das moças
atrás do balcão, ao mesmo tempo que atendem mais um cliente e embrulham meia
dúzia de broas, para experimentarem lá em casa, em jeito de teste e assim
aprovarem, ou não, a encomenda de maior quantidade, nas vésperas, quando o
Natal estiver à porta.
As luzinhas e as estrelas dão o toque decorativo à pastelaria.
Ninguém lhes presta muita atenção, mas sentem-se e Natal sem luzinhas,
não é Natal!
O cheiro no interior da pastelaria é diferente, por estes dias. O da
massa do bolo-rei, então, é inconfundível! Imperdível!...
Também as meninas, sempre simpáticas, são tomadas pelo espirito do
Natal.
Riem mais do que o habitual, falam mais alto, brincam e entusiasmam a
clientela. Todas elas bonitas, colocam um sorriso na boca de todos, ao sair da
porta. Amanhã voltarão, com certeza.
O Natal não tarda aí e o Santuário de Nossa Senhora da Atalaia, na
noite de Natal, quando todos se forem deitar, vai estar iluminado, como todos
os anos.
E a Senhora da Atalaia vai rezar por cada uma das pessoas que habita
em seu redor. Mesmo por aquelas menos crentes, ou tão só por aquelas que este
ano creem não ter motivos para o celebrar.
Ela tratará de lhes recordar que o Natal, ainda que triste, sente-se…
que o Natal são as pessoas e que o seu espírito vive dentro de cada um.
Preparo-me para sair da pastelaria. Já paguei o pão e o café que bebi.
Também eu tenho direito a um sorriso, que retribuo.
Embora volte cá mais vezes enquanto o dia não chega, ao por o pé fora
da porta, ouço uma última voz que me diz:
- Feliz Natal!...
- Feliz Natal, também!... – vou ainda a tempo de retorquir.
... /…