terça-feira, 29 de abril de 2014

Com jeito

Vá, debruça-te sobre o meu peito
E espreita lá p’ra dentro
O que vês? Que sentes tu?
Diz-me, espera, um momento…
Acaso fixaste aquele amor-perfeito
Crescendo no meu coração nú?

No jardim de pedra feito meu peito
Há agora vida e esperança
Debruça-te mais, vá, não desistas, rega
Verás como é possível a mudança…
Não é preciso técnica, apenas jeito
Pois que a crescer, um amor-perfeito não se nega!

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segunda-feira, 21 de abril de 2014

Verdadeiro prazer ao acordar

Há lá maior prazer do que escrever um poema p’la manhã…

Quando no ar se sente ainda a frescura da madrugada
E o sono se agita…
E eu não quero acordar
Porque sonho com frases impossíveis de sonhar se acordado…

No meu quarto são percetíveis os cheiros dos sonhos
Nos quais me embalei contigo noite fora...

Na pele trago tatuados todos os códigos indecifráveis
Que se conjugam ao despertar contigo no meu pensamento…

Fico assim apto a escrever o mais belo poema
Ah como eu gostava que fosses tu a ditá-lo p’ra mim
Sabê-lo-ias de cor, claro…
Porque o poema eras tu

Ou então…
Ao acordar bastaria ter-te a meu lado
Só cheiros, só sonhos, sem códigos, sem sono...
Que o poema mais belo já estaria inventado…

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terça-feira, 15 de abril de 2014

Relativo é...

Só de imaginar o nosso reencontro
Tenho vontade de não dormir
E sair já a correr…

Parece que não te vejo há anos
Que o tempo nos engoliu
E apenas passaram algumas horas…

O tempo é relativo, eu sei
Como relativo é o abraço
Sempre que o trocamos

Porque entre os nossos braços
Não estão só os nossos corpos
Mas o mundo ao qual pertencemos

E quando o reencontro se dá
Sentimos e relativizamos
Quão fugaz é tal momento

Que passando a voar
Logo, logo, distantes novamente
Nos faz sentir juntos para sempre

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domingo, 13 de abril de 2014

Morte adiada

Não fora aquele dia
E talvez tivesse partido mais cedo
Como eu, outros a mim iguais …

Não fora aquele dia
E talvez não tivessem mais sorrido        
Como a minha, tantas outras mães…

Nossa mãe rezava à noite connosco
E juntos, pedíamos pelos nossos soldados em África
Pelos vivos e pelos que partiam…

Eram tantos os que não voltavam
E tantas as mães que por eles rezavam
Tantas as lágrimas que por eles caíam…

Durante a oração a nossa mãe olhava-nos
E triste imaginava-nos estendidos no campo de batalha
No final, juntos, fazíamos o sinal da cruz…

Quem sabe, um dia...
E a nossa mãe sonhava
Sonhava com um futuro bom, pedia ao Bom Jesus…

Que ainda pequeninos, há tão pouco acabados de nascer
Tinham já a morte ali à espera, os seus meninos…
Um barco num cais os levaria p’ra não mais os ver…

E um nó no peito que jamais se desataria
Um nó tão imperfeito
Não fora aquele dia…

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terça-feira, 8 de abril de 2014

Carta de aniversário

O meu amigo Tutas, por sms enviada logo pela manhã, desafiou-me a fazer aquilo que, segundo ele diz, eu sei fazer, escrever.
Obrigado amigo, mas também tenho a minha opinião…
Se o dizes é porque o sentes. Se o sentes é porque na realidade lês o que eu escrevo. E se lês o que eu escrevo, nem que fosses apenas tu a fazê-lo, já valia a pena ter escrito!
Conforme li há pouco tempo num texto, creio que do Miguel Esteves Cardoso, os amigos não são só para as ocasiões, mas para toda vida, era mais ou menos assim.
Concordo absolutamente com a ideia e sinceramente gosto de partilhar o que escrevo, porque nela, na minha palavra escrita, nuns dias existe alegria, noutros tristeza, noutros ainda memória e saudade ou alívio e sofrimento e, também, por vezes, escárnio e frontalidade, dependendo do dia…
E os amigos entendem tudo isto. E quando não entendem, discutem e tentam perceber o porquê!? E na última das circunstâncias, aceitam-no simplesmente, porque a verdadeira amizade engloba isso também, a aceitação, por vezes sofrida, é certo…
Não sei se é por fazer quarenta e nove anos, acordei hoje muito bem-disposto.
Sinto como se estivesse a cumprir os dezassete anos e, por isso, acho que tenho um ano pela frente, até entrar na maioridade. Afinal, hoje dá início o meu quinquagésimo ano de vida, assim é!
Decidi que, até lá, até oito de abril de dois mil e quinze, vou aproveitar para fazer todos os balanços acerca da minha vida cumprida e, sobretudo, tomar balanço para o que vem a seguir…
Obrigado a toda a minha família por me fazer sentir feliz e amado a cada dia. Por eles e para eles existo.
Obrigado, minha filha, meu irmão, meus sobrinhos e obrigado a ti, minha neta. Que o passar dos anos te proporcione seres tão feliz quanto eu tenho sido.
Obrigado a todos os meus amigos por serem-no. Obrigado por estarem sempre comigo e mesmo se ausentes temporariamente, saibam que os créditos não se esgotaram.
Obrigado a todos aqueles que já partiram mas que continuam a ser uma inspiração. Enquanto eu tiver memória, vivem em mim.
Hoje era o dia de receber, logo pela manhã, o beijo mais prazenteiro, mais feliz e mais sincero que se pode receber, o beijo da mãe. E hoje, como sempre senti-o…
E pude sentir também o abraço e o sorriso franco do pai.
Tranquilo, projeto o meu dia na companhia de todos quanto amo, os que cá estão e os que já partiram…
A escrita hoje é desordenada e confusa, mas quem a ler sentirá, certamente, um sorriso em cada palavra.
O sorriso existe por isto tudo e é para todos.
Hoje é dia de festa, amanhã não sei.
Mas a minha família e os meus amigos, esses são para todas as ocasiões!... 

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segunda-feira, 7 de abril de 2014

Contigo à garupa

Com um sorriso desenhado nos lábios
Provocado pela recordação ondulada do toque no teu cabelo
Caminho a passo por sobre estas pedras que piso
Já não sou o mesmo de há anos
Nem tampouco o peso do meu corpo o é também
É ele apenas compensado pela leveza das recordações que afluem a cada passo
E assim, as pedras não se queixam…

As minhas pernas feitas engenho mecânico produzem memórias isoladas
Articulam-nas e levam-me não sei aonde
Sobre as pedras deste caminho acelero agora o passo
Vou a trote...
Desenho uma linha bordada pelo meu sorriso
Provocado pela recordação ondulada do toque no teu cabelo
E a ela me agarro feita rédea…

É então que os meus passos viram galope
E o meu sorriso desenhado nos lábios
É cópia perfeita do teu
Contigo feliz à garupa!...

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sábado, 5 de abril de 2014

Vem ter comigo à feira

Acabei de embrulhar mais um final de dia…
Arrumei-o no meu sótão
Está aqui ao pé de mim, dentro de uma caixa
E espero bem que adormeça em breve…
Os sótãos servem para isto mesmo
Arrumar coisas, embrulhar e desembrulhar outras
E assim se passa um serão
Até nos dar o sono...
Tenho aqui, guardados no meu sótão
Outros tantos finais de dia já encaixotados
Com eles construirei, um destes dias, alguma coisa, não sei
Ou então, coloco-os no porta-bagagens do carro
E vou vendê-los à feira
Pode ser que alguém me dê alguma coisa por eles
Afinal, os meus dias são os meus dias…
Pode ser que haja alguém interessado neles!?...
Se ninguém os quiser, troco-os por qualquer coisa
Meia dúzia de esferográficas, pode ser!...
Posso assim passar os meus serões a escrever sobre os meus dias
E a inventar-lhes novos e diferentes finais…

É isso!...
Amanhã é sábado…
É dia de feira!
Por favor vai lá ter comigo…
Passa pela feira e encontramo-nos por lá
Diz-me que não estás interessada nos meus dias já encaixotados
Que apenas te interessam os que aí vêm
Porque os meus finais de dia passarão a ser os teus também…
E amanhã, depois da feira terminar
Vamos ficar os dois a fazer serão
A desmanchar os caixotes que não vendi
A escolher alguns por entre os meus dias já passados
E que não trocarei por esferográficas
Dado que os nossos dias futuros já estão escritos…

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quinta-feira, 3 de abril de 2014

Falsa miragem

Pudesse minha raiva eu calar
Dando assim voz à calma que demente
Faz de mim ser vulgar, porém doente
A quem a vida teima em provocar

Pudesse eu ser vulgar, ou ser ausente
Ao seu lado passar e nem olhar
Que a raiva feita calma e bem latente
Dói-me por dentro, sim, ter de a calar

Pudesse pois também eu ter coragem                             
Num mundo de silêncio ruidoso
Que esconde a raiva morta à nascença

Gritar forte e bem alto a minha crença                
Matando quem num tom silencioso
Reduz meu grito livre a uma miragem  

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quarta-feira, 2 de abril de 2014

Estranho

Chego ao final de mais um dia, desfeito…
Um dia em que a tristeza quase que deitou tudo a perder
Chego ao final deste dia, na ânsia de um outro dia, já refeito
Sê-lo-á já amanhã, estou em crer…

E porquanto o amanhã teimará em ser quase igual a hoje
Inventarei poções mágicas e estratégias de engano
Acordarei pronto a desenhar de novo a vida que me foge
E hei-de colorir as sombras que trago comigo há mais de um ano

Sombras projetadas pelo sol, no seu ocaso e já em pranto
Entre dor e esperança me ajudarão a criar tal desenho
Ao passar esta ponte sobre este rio fluido e que no entanto  
Me faz sentir que até p’ra mim às vezes sou um estranho…

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terça-feira, 1 de abril de 2014

Que se lixe o Louro, o Alho e o Brito!...

É-me tão familiar o barulho da chuva a bater nas vidraças das janelas.
Desde pequeno que o oiço e, por isso, identifico-o. E identifico-me…
 tardes destinadas a nunca serem esquecidas, como aquela em que senti a insegurança e a angústia pela primeira vez…
A sala de aula, virava salão de estudo, durante a tarde. Era cinzenta, escura, austera, transmitindo uma enorme energia negativa, em certa medida irradiada pelo prefeito, sentado à secretária, de olhar agressivo, ar de mau e instinto de bufo.
A diferença de idades era marcante.
Ele, na casa dos vinte anos, estudante de um qualquer curso superior, vindo de fora de Lisboa e, por isso, safando a vida naquele part-time, que lhe assegurava, para além de uns trocos, cama e roupa lavada, à noite, como vigilante das camaratas, onde os alunos internos dormiam. Nós, garotos com dez, doze anos, preparávamo-nos para iniciar o liceu, após a conclusão do ciclo preparatório.
A relação estabelecida era na base do medo e nunca na do respeito. E assim crescíamos e assim nos afastávamos cada vez mais do método de ensino instaurado naquele colégio.
Aquela foi, porém, uma tarde diferente de todas as tardes que tinha vivido até então.
Naquela tarde experimentei a insegurança e a angústia pela primeira vez…
De vez em quando, o Brito saía do seu lugar e caminhava pelos corredores que mediavam as filas das carteiras, com as mãos cruzadas atrás das costas, segurando uma vergasta com a qual nos surpreendia ao batê-la com força em cima do tampo das carteiras, sempre que se apercebia da distração de algum aluno.
Era assim uma espécie de ambiente de terror, aquele que tentava criar entre os alunos, com idades compreendidas entre os dez e os doze anos!
Aquelas tardes, ouvia os meus colegas comentarem, eram terríveis e angustiantes. Não para mim, que tinha o estatuto de aluno externo, queria isso dizer que frequentava o colégio apenas no período de aulas, normalmente durante o meio-dia da manhã, mas para todos os que, após esse período, tinham ainda de passar por aquele castigo, que transformava os dias de sol, quando a Primavera chegava, em dias completamente cinzentos, que faziam olhar o amanhã com pouca vontade, num role de lamentações.
O salão de estudo ficava, assim, reservado para os alunos semi-internos e internos, estes últimos, os que iam a casa apenas ao fim-de-semana. Alguns deles apenas o faziam nas férias, coitados.
Recordo que comparávamos o colégio à prisão Colditz, muito em voga na época, uma vez que passava na televisão a série com o mesmo nome. Esta comparação advinha não só do ambiente que existia internamente, devido à disciplina rígida, como ao clima de desconfiança em que vivíamos, para não falar da própria arquitetura do edifício, com dois pátios interiores, onde fazíamos fila às onze da manhã para, a troco de uma senha diária, recebermos uma carcaça com manteiga ou mortadela.
Deste cenário acabavam por fazer parte, também, tantos e tão bons professores, gente boa como a Professora Adelaide, de Matemática, o Professor Velez, de Português, o Carlos Rodrigues, dos Trabalhos Oficinais e o Sr. Moura, de Ciências e mais tarde Geografia, completamente engolidos pelo repressivo sistema que governava o colégio e que tinha nas figuras do Sr. Louro, e do Alho, diretor e chefe dos prefeitos, respectivamente, a personificação do medo e da repressão, bandeira do ensino em Portugal, durante o antigo regime.
Embora tendo já acontecido o 25 de abril há uns três, quatro anos atrás, os sinais de mudança eram pouco visíveis no colégio.
Dizia eu que, aquela tarde foi para mim diferente, não só porque, pela primeira vez, também eu fiquei no salão de estudo, podendo assim observar e confirmar com os meus olhos tudo aquilo que ouvia diariamente da boca dos meus colegas mas, acima de tudo, porque a minha mãe, à mesma hora, estava a ser submetida a uma cirurgia extremamente delicada, situação que a trazia debilitada há já alguns anos, tendo por isso, nesse espaço de tempo, perdido bastante peso, temendo-se o pior.
Nós, ainda pequenos, percebíamos que as coisas não estavam bem, sofríamos com o seu sofrimento, embora a nossa mãe preferisse poupar-nos dessa dor mas, aqueles eram tempos em que a ideia de podermos perder os nossos pais nem sequer nos aflorava o pensamento. Pelo menos até àquele dia…
Guardo, daquela tarde, três imagens.
Uma real, constatada no momento, a da janela ao lado da minha carteira e as vezes que olhei através dela, colocando o olhar no horizonte, como que a tentar um contacto extra-sensorial com a minha mãe. Outra imaginária, quase real, é certo, a do rosto da minha mãe a bailar-me à frente, constantemente. Por último, uma completamente fantasiosa, construída, na qual, eu e o meu irmão, órfãos, regressávamos a casa tristes e assustados…
Com efeito, naquela tarde borrifei-me para o Brito e para o estudo.
Havia muito mais para pensar e novos sentimentos estavam a ser experimentados.
A cirurgia estava marcada para as 15h00, no Hospital de Jesus, em S. Bento, ao fundo da Calçada do Combro, ao lado do Liceu Passos Manuel e lembro que àquela hora rezei uma oração com uma vontade tão grande, que me tranquilizou.
O Brito era agora tão ridículo!...
Naquela época não havia telemóveis, mas o nosso pai telefonou para o colégio assim que a cirurgia terminou.
- A operação da Mamã foi um sucesso! – foram as suas palavras…
Gravei-as cá dentro como se fossem elas a garantia de que teria mãe por muitos anos.
Daquele dia guardo as primeiras sensações de insegurança e angústia, mas é verdade que senti também, pela primeira vez, o verdadeiro sentimento de alívio retemperador, satisfação, de alegria também e, talvez, o primeiro sinal e ato de fé absoluta.
Recordo ainda que o nosso pai nos foi buscar ao colégio, ao final da tarde e que regressámos felizes, os três, a casa…
Continuei a achar o colégio parecido com Colditz, mas relativizei para sempre a angústia e o medo que o Sr. Louro, o Alho e o Brito personificavam.
Afinal, ali, também era possível ser feliz e que bem me fez ter estado sentado ao lado daquela janela, através da qual o meu pensamento voou e nunca se afastou da minha mãe.
Resta dizer que o dia tinha nascido cinzento, que choveu bastante e eu pude sentir o barulho da chuva nas vidraças da janela, mas que, de acordo com o ditado popular, depois da tempestade, veio a bonança…

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