segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Um amor esquisito

- Então, até p’rá semana, aqui, à mesma hora!...
E era assim que funcionava, no tempo em que não existiam telemóveis, nesse tempo em que o mais parecido e mais moderno que havia eram os walkie-talkies.
Todos os domingos, encontrávamo-nos por volta das 15h00, à porta do velhinho Monumental, no Saldanha e ali esperávamos uns pelos outros. Só depois, juntos, seguíamos o nosso destino que, na maior parte das vezes, passava pelas matinées do Porão da Nau, na primeira rua à direita, quem desce a avenida Fontes Pereira de Melo. Contudo, o destino podia ser o mais variado, muitas vezes festas particulares, ou mesmo festas organizadas nos liceus.
Durante aqueles minutos de espera, conversávamos, ríamos, fumávamos um ou mais cigarros, cravávamos lume a quem passava.
O grupo era simpático, havendo sempre tempo para um abraço ou um beijinho e se acontecesse magia nesse instante, era bastante provável que a tarde fosse bem passada, na ansiosa espera das duas a três séries de slows com que o disco-jóquei nos brindava.
Quando alguém se atrasava, das duas três, deixávamos recado na bilheteira do cinema, agradecendo que, no caso de alguém perguntar por um grupo assim, assim, pudesse informar a pessoa que sim senhor, estiveram à sua espera e seguiram para tal parte.
Ou então, segunda hipótese, esperávamos todos, o maior tempo possível e finalmente decidíamos, em conjunto, ir embora. Aqui, vinha ao de cima, a crueldade, embora sem maldade, que inspirou o dito popular, quem está, está, quem não está, estivesse… E lá íamos nós, armados em fortes, embora intranquilos com a decisão tomada. Claro que isto só acontecia quando a pessoa em questão não fazia parte do núcleo duro do grupo.
Por último, a situação mais corrente. Passava por um de nós ficar à espera, enquanto o grupo ia andando, à frente, em direcção ao destino. Logo nos encontraríamos todos, mais tarde.
Por ali ficava então, a ler os cartazes de cartão, colocados nas pequenas vitrinas, no exterior do cinema, que mostravam cenas dos filmes em exibição no Monumental e no Satélite, assim como dos que entrariam em cartaz a seguir, ou brevemente.
Quando finalmente aparecia o elemento em falta, lá seguiam juntos ao encontro dos outros.
Recordo que a cada fim-de-semana, havia sempre um ou outro amigo, ou amiga de alguém que a nós se juntava e, assim, aumentávamos a nossa corrente de conhecimentos e amizades.
Naquele tempo não se pediam amizades, como hoje. Convivia-se, criavam-se laços e éramos todos muito felizes…
Certo dia, estava eu, o meu irmão, o Artur, o Fernando, o Paulo, o Miguel, a Lila, a Bé, a Isabel, a Teresa, a Paula, a Mafalda e outros que não recordo, entre os quais uma rapariga gira, à espera que uns e outros fossem chegando. Enquanto isso, a conversa foi-se desenrolando. Nas nossas conversas reinava sempre um sentimento de solidariedade para bem do grupo.
A formação dos casais fazia-se previamente, para efeitos de facilitar a entrada na discoteca, garantindo, à partida, o direito ao mesmo par, na hora dos slows.
Feita a arrumação dos pares, consegui, não ingenuamente, ficar muito bem acompanhado, com a amiga de alguém, a tal rapariga gira e assim fiquei convencido de que a tarde prometia…
Conversa p’ra aqui, conversa p’ra ali, todos os jogos de sedução a funcionarem de acordo com a inspiração dos catorze anos e à pergunta colocada pela minha amiga Lila ao meu par:
- Diz lá se ele não é giro?
A outra respondeu:
- Giro!?... Não sei… Nem é giro, nem é feio, é esquisito – por momentos pensei que lá se ia a tarde (!?...)
Aquele “esquisito” caíu tão mal. Porquê esquisito!? Seria do bigode, que por aquela idade já exibia? Ou seria do cabelo encaracolado que não satisfazia o sentido estético da rapariga!?... Nem sequer ainda tínhamos falado, logo não poderia tê-la decepcionado com o meu discurso ou qualquer atitude tomada!? Bom, na verdade, podia não me achar bonito, mas, então não teria sido essa a sua resposta (!?...) Ausência de química no primeiro contacto!?... Ah, isso seria o pior de tudo e comprometeria o resto da tarde,,,
Fiquei completamente desapontado e inseguro durante algum tempo
Ao longo da tarde, pudémos conversar e aquele “esquisito”, afinal, queria dizer diferente, segundo a sua explicação. Disse-me também que quando me olhou pela primeira vez, o meu olhar a tinha incomodado.
Dançámos os slows por três vezes e, quando o dia terminou, despedimo-nos com um beijo, seguido de um até p’rá semana e na semana seguinte, começámos a namorar.
Ainda hoje, ao final de quase trinta e cinco anos, dou comigo,  por vezes, a recordar esse episódio e sorrio.
Pelos vistos gostou da diferença, pois namorámos algum tempo…

… /…


2 comentários:

a_ciganita disse...

Tão bonitos que era esses convívios com amigos. Quantas histórias a desfolharem no tempo, a marcar sorrisos cheios de ingenuidade.

a_ciganita disse...

Tão bonitos que eram esses convívios com amigos. Quantas histórias a desfolharem no tempo, a marcar sorrisos cheios de ingenuidade.