segunda-feira, 10 de março de 2014

Regressão

Pegava na pasta da escola
E fazia-me de novo à vida
Ah se fazia…
A cada passo que desse
Ao distanciar-me de casa
O meu corpo encolheria um centímetro em altura
E as minhas mãos ficariam cada vez mais perto do chão

Quanto mais longe fosse ficando de casa
Mais pequenas seriam as minhas pegadas
Que denunciariam o meu recuo no tempo
Até me sentir de novo menino
Com as botas ortopédicas a aleijarem-me o traseiro
De tanto correr em busca do passado
No qual fui garoto

O vento a bater-me na cara
Abriria feridas e secar-me-ia as cicatrizes
Provocadas por todas as lembranças
Que morreriam a cada centímetro do meu encolhimento
E que desapareceriam na poeira do caminho…
Enquanto eu cada vez mais baixo
Arrastaria a pasta no chão e seria mais menino

Dentro da pasta o lanche que não tinha
Porque não seria um lanche o que levaria
Porque um lanche não se transporta na pasta
Para os lanches há lancheiras
E eu não levaria nenhuma comigo
Levaria apenas a pasta
Com os livros da escola para aprender tudo de novo

Quantas letras tem o abecedário?
Não sei!...
Um B seguido de um A faz?
Não sei!...
Quantos são 3 X 9?
Não quero saber!...
Porque as perguntas hoje seriam outras…

Porque corres tu?
Continuo a não saber!...
Que livros são esses em branco?
Alguém responda que isso gostava eu de saber…
São para ser escritos de novo!
Com palavras por inventar se ainda houver imaginação
E se a memória não nos atraiçoar

Mais à frente olharia para trás
E já não veria a minha casa
Porque seria pequenino outra vez, rente ao chão
Os pés dançariam dentro das enormes botas ortopédicas
Mas as marcas no chão seriam menores
E eu já nem da pasta necessitaria
Nem sequer para a arrastar pelo chão tocado agora pelas mãos

E de repente já nem o chão existiria
Nem ao longe nem perto da minha casa
E eu faria desenhos por não saber escrever
E não iria à escola aprender nada
Porque bastaria a imaginação para ditar a ignorância
De não conseguir ler um livro vazio...
De letras, lanches e respostas a tantas perguntas...

... /...

Um comentário:

Unknown disse...

Soubera eu o que sei hoje, esquecia-o.