terça-feira, 4 de novembro de 2014

Desejo de Natal

O Natal está à porta, mas desta vez não me sinto entusiasmado…
A alegria e a ansiedade de outrora, não são as mesmas.
A sociedade em que vivemos e a própria vida encarregaram-se de, a cada ano, arrasar o espírito de Natal. A quadra não é mais do que uma época importantíssima no calendário comercial, a melhor das oportunidades para o capital vencer sobre todas as coisas.
Também os afetos e os sentimentos são negociados.
Em grande parte dos casos, as famílias, entretidas que andam durante o ano, de candeias às avessas, resolvem unir-se e serem felizes, por estes dias.
Assim, a melhor forma de reforçarem os seus laços é oferecendo-se presentes, na tentativa de causarem boa impressão no destinatário, como se isso purgasse as fracas ou mesmo nulas prestações afetivas, ao longo de mais um ano de ausência partilhada.
E assim, dessa forma, todos são felizes por uns dias.
Come-se bem, tira-se as barrigas de misérias e passa-se os próximos trinta dias a praguejar contra o “exagero” que foi tanta comida!... - Para o ano vai ser diferente!... - repete-se constantemente.
À volta das mesas, alguns aproveitam para fazer as pazes e juras de mudança, são frequentes. Dali em diante, tudo será diferente, para melhor, é claro.
Muita gente, uma semana depois, por volta do Ano-Novo, já esqueceu o comprometimento e a história repete-se.
Nada que não se resolva no próximo ano com uma prenda choruda e um novo banquete, se possível, bem regado.
Ainda à volta da mesa, com as barrigas já compostas e os fígados atestados, soltam-se palavras e atitudes despropositadas, recalques que vêm à tona, aproveitando o facto de se estar juntos uma só vez durante o ano. São os fantasmas que se revelam, as mágoas postas à prova, estimulados pelos aromas e temperos da ceia em família.
O Natal também é isso…
As crianças assistem a tudo e afastam-se para o recanto das salas e dos seus quartos, entretidas que estão com os presentes, que farão as suas delícias, por uns dias.
Tudo muito volátil, tudo muito descartável.
O Natal que nos é imposto passa a correr!...
Na verdade, aquela semana não representa sequer dois por cento dos trezentos e sessenta e cinco dias que compõem o ano.
Pura ilusão, pois! O que passa a correr é todo o resto do ano, a própria vida também.
Por tudo isto, este Natal não me sinto nada entusiasmado.
Quero, pois, ficar no meu canto, de acordo com o que tem sido a minha vida nos últimos tempos.
Abraçarei os que amo e aos mais novos tentarei fazer-lhes sentir o que é para mim o Natal.
Se me sentar com eles à mesa, será para rirmos e trocarmos olhares cúmplices, de quem se gosta para além do Natal e investe nessa partilha, o verdadeiro e único capital incalculável.
Quero vibrar com as luzinhas e com os cheiros do cedro e azevinho utilizados no centro de mesa. Quero saborear as filhós de abóbora que me transportam para os meus Natais de outrora ou, então, simplesmente sentar-me e ficar a olhar para a minha neta a brincar.
Dispenso os presentes e um beijo seu e da sua mãe bastam-me, assim como a ideia de que há gente que, nem que seja por um momento, pensa e gosta de mim.
Desta forma, feliz e tranquila, quero que seja o meu Natal. Só assim ele faz sentido.
Quero chegar ao final da quadra festiva e não perceber que ela já lá vai.
Deste modo, o novo ano passará calmamente e o Natal não ensombrará a minha vida… 

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Um comentário:

ana ventura disse...

Pai, da nossa parte não contes somente com um beijo... Terás muitos, destes que estão guardados só para ti! Ah...e não são só para o Natal, estão guardados para todos os dias de todos os anos! Beijinho*