quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O Sérgio maluco

O Sérgio era bom rapaz. Chamavam-lhe o Sérgio maluco!...
Só o víamos uma vez por semana, ao domingo, depois da missa.
O dia começava cedo, com a azáfama dos banhos e a saída apressada para a missa das onze.
O padre esperava que a igreja estivesse composta para dar início à homilia.
Ao meio-dia, normalmente, estaria a terminar. Se assim não acontecesse, a sirene dos bombeiros acusava a hora e, tal qual na escola, esse era o sinal de que a missa estava no fim. Nesse momento, começava o burburinho dentro da igreja e já nem o padre tinha mão naquela gente. Então, se guardava para o final alguma informação sobre o horário das próximas celebrações, início das catequeses ou algum peditório adicional, era certo que mais valia estar calado.
Todos saíam apressados sem nunca esquecerem de colocar os dedos na pia da água benta, de fletir o joelho e de fazer o sinal da cruz, uns virados para o altar, outros já com um pé fora da igreja, na ânsia de encontrarem quem viam apenas de semana a semana e poderem, assim, dar dois dedos de conversa.
Nessa altura, eu conseguia vislumbrar o Sérgio no adro da igreja. Sabia que dentro de minutos estaria a tocar-nos à campainha a pedir cinco tostões… Acontecia todos os domingos.
Certo dia, por sugestão da nossa mãe, eu e o meu irmão reunimos alguns carrinhos de brincar para darmos ao Sérgio.
A nossa mãe era especial e passou-nos sempre os valores da amizade, do respeito pelo próximo, da igualdade, do amor e da felicidade e, sobretudo, da solidariedade.
Assim fizemos…
Nesse dia, quando o Sérgio bateu à porta, pedimos à nossa mãe que fosse ela a entregar-lhe os carrinhos…
Nesse dia não estávamos a entregar nada que fizesse parte da vida dos adultos… dinheiro, roupa ou outra coisa qualquer. Tratava-se dos nossos brinquedos e nós queríamos ver o Sérgio feliz, mas a ideia de que nós tínhamos e ele não, deixava-nos tristes.
Provocar essa sensação ao Sérgio, isso nunca!

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Um comentário:

Anônimo disse...

Simplesmente delicioso. Por momentos viajei à minha infância. Parabéns João