Estranho objecto, o
despertador.
Acorda-nos e marca
a hora.
Depois, adormece,
ou melhor, ao toque do nosso dedo, deixa-se ficar, a ver o tempo
passar... Como se nós dominássemos o tempo ou simplesmente
esperasse o que está para acontecer...
Esgueiro a mão para fora dos lençóis e, às apalpadelas, procuro o
maldito botão que me devolverá o silêncio das últimas quatro
horas.
Questiono-me, ainda meio ensonado, porque marquei eu as 10h00 como
ponto de partida para mais um dia sem tempo (!?...)
O mesmo tempo que me trouxe até aqui, exactamente porque não quis
prestar-lhe atenção, na repetição dos dias que me perseguem.
Aqui, o tempo pode esperar, atrasar-se, ou simplesmente não
existir...
Não faz ,assim, sentido o despertador, muito menos o marcar da hora
para o acordar.
Mas então, porque registei eu as 10h00 como momento do despertar?
Ah, já sei, foi por nada...
Podia ter sido às 8h00... ou às 11h00 (!?...)
E se eu morrer daqui a bocadinho? Pelo menos, estarei acordado!...
É isso, agora percebo... Todos os dias, o despertador acorda-me para
a morte, mais ou menos lenta, consoante a corda que o relógio tem. No dia em
que o não fizer, acordarei já morto.
Ah, e se logo ao deitar, estiver ainda vivo, vou marcar o
despertador, para amanhã, ainda mais cedo...
Assim, acordado, terei mais tempo para esperar a morte, aquela que me fará
dormir para sempre.
Ah, e quando assim for, o despertador pode tocar, que a minha mão não se
moverá...
Um comentário:
Deitar fora o despertador!
Para que serve, temporizar um despertar?
Despertar e' para a Vida.
Por mais que toque , se nao e' para a Vida, nao e' acordar.
E acordar,acorda-se sozinho. Sem hora mas com sentido. Sem hora mas com sentimento.Na hora certa.
Deitar fora esse despertador.
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