Se amanhã de
manhã ninguém se lembrar de mim
E eu não
acordar cedo
Nada vai
acontecer enquanto eu não acordar
Se amanhã eu
acordar tarde, mais tarde será o amanhecer
E porque dormirei até mais tarde
Menos coisas acontecerão no meu mundo, durante o dia de amanhã…
Que o meu
mundo só existe quando eu estou acordado…
Se ninguém
me telefonar, nem a campainha tocar, amanhã de manhã
Vou poder
estender os meus sonhos por mais tempo
A manhã será o prolongamento da
noite
A tarde será o amanhecer…
E a noite o entardecer…
E quando o
sol se puser, ainda será cedo para mim
Eu que gosto
pouco de dormir e que quando estou acordado
Penso em
tantas banalidades…
Aliás, só
penso em banalidades…
Os dias
repetem-se sem eu me dar conta e estão tão cheios dessas banalidades
Curiosamente, se olhar para trás, ao mesmo tempo, sinto-os tão cheios de vida…
e tão bem preenchidos, também…
Que só por
isso me faz ter repetidas vezes um pensamento tão banal…
Como podem eles
ser tão cheios de vida e tão bem preenchidos se eu só penso em banalidades!?
Talvez por
isso mesmo, porque só penso em banalidades
Talvez
porque a vida não tenha que ser senão banal!
Ou porque talvez já haja tanta gente a pensar em tantas coisas que não são banais
E que por
isso, não seja preciso mais uma a pensar nisso também…
Mas... será
que os dias não se repetem para essas pessoas também?
Essas que pensam
em coisas que não são banais ou que julgam elas que o não são?
Também eu já
pensei como elas, não vai muito tempo
O dia
amanhecia, mal tinha acabado de anoitecer há pouco, a noite de véspera
E eu, na
maior parte das vezes, nem sequer tivera tempo para sonhar
Nesse tempo,
na minha cama, era eu e todas as coisas não banais que adormeciam comigo
Quando
acordava, antes do novo dia amanhecer, já estavam a acontecer coisas
Quantas
vezes faltou a luz, coisa que agora nem dou conta?
E o padeiro
que passava na rua, mais o almeida que eu cumprimentava
e que hoje desconheço?
E o sol que nascia
sempre daquele lado e que agora não sei…
Quando
acordo, nem sequer sei para que lado estou virado, uma vez que já nem
despertador tenho e por isso não tenho que levantar o braço na sua direção…
Que era a
mesma todos os dias…
E a vizinha
que vinha à porta com o seu robe vermelho!?
Agora já nem
a cor do robe sei… nem sequer me lembro da cara dela…
Agora já nem sequer sei se tenho ou não vizinhos, porque quando acordo
(Isto se
ninguém me telefonar ou tocar à campainha obrigando-me a fazê-lo mais cedo)
Já todos
partiram para as suas vidas
E eu, que já
nem a cor do robe conheço, nem que cara tem a vizinha, se é nova ou velha, se vem à
porta ou não, tenho agora uma vida banal sem essas tantas preocupações tão importantes
de então…
Essas preocupações que eram tão
importantes quando eu tinha uma vida não banal e que hoje já não o são
Amanhã,
quando eu acordar e o amanhecer for já ao início da tarde,
Algumas
coisas acontecerão no meu mundo
Vou comprar
o pão que já deve ter esgotado, ler o jornal do café que já foi lido por meia
aldeia, encher os pneus da bicicleta…
Vou comprar
tintas e depois vou pintar uma tela no meu terraço…
Aahhh!...
Vai ser assim!... Nada de mais, apenas banalidades…
E à noite,
que ainda será de tarde para mim
Vai falar-se
de coisas importantes nas casas dos vizinhos
O que é que
almoçaste? Como foi o teu dia? O que disseram lá no emprego?
Mais as
férias que terminaram há três dias e que já tanta falta fazem outra vez…
E todas as
questões vão ter respostas importantes que contribuirão para o progresso do
mundo que não é o meu
E o mundo
vai girar à mesma velocidade e o sol iluminar o outro lado do planeta
Os vizinhos
vão-se deitar a pensar que são felizes… e o mundo vai continuar a gerar pessoas
e vidas que não são banais
E cada vez
mais o meu mundo não vai ser este mundo…
Ainda amanhã à
noite, que continuará a ser de tarde para mim,
a vizinha do
robe vermelho de então irá de robe para o quarto
e quando se
abeirar da cama
o marido com
vontades loucas (não banais) vai exigir-lhe que ela o tire…
E a cor do
robe não vai interessar para nada porque vai faltar a luz
e o que
importa é despachar o assunto porque amanhã vai ser um dia importante para cada
um dos dois
Ela vai
fazê-lo contrariada… nada de mais
Assim é…
Amanhã à
noite vão enganar-se os dois um ao outro… nada de mais… é banal!
Vão dizer
coisas importantes um ao outro e de manhã quando ainda for noite para mim
tantas coisas terão acontecido nos seus mundos que não o meu
tantas coisas terão acontecido nos seus mundos que não o meu
Que o meu
mundo só existe quando eu estou acordado…
E ainda bem
que eu vou estar a dormir…
E a sonhar…
Com coisas tão banais…
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