quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Confissão

Se eu gostei de ti?
A resposta é tanto que teria sido necessário inventarem-se novas palavras
quem sabe uma nova língua,
para que não caíssemos na vulgaridade dos significados que diariamente usamos
na doce tentativa de se dizerem coisas bonitas uns aos outros.

Gostei tanto de ti que de ti não me afastei nem um segundo
Vivi sempre com o medo de que me pudesses escapar
e que nos pudéssemos perder de vista,
mesmo sabendo que, por vezes, teria sido bom se nos tivéssemos distanciado,
tal o cansaço que em ti provocava.

Gostei não só de ti, como de cada vez que gostei, gostei ainda mais de ti
porque me acompanhaste desde sempre
e porque me convenci que seguiríamos de braço dado desde então até ao fim dos meus dias
mesmo quando me recusavas, por vezes, a tua presença,
mesmo assim, tal como eu, sabias que sem mim não sobreviverias também.

Se gostei de ti?
Tanto, tanto… que não chegaram os dias para te ter transmitido o quanto
ainda que a minha existência se tenha prolongado anos e anos
e que juntos tenhamos partilhado tanto, a cada momento
ainda que por vezes tenhas fingido que apenas tinhas ouvido falar de mim
e que não te interessava verdadeiramente o que eu pudesse estar a fazer ou a sentir,
porque isso foi sempre uma preocupação menor.

Não importa, gostei de ti, sempre…
Assim desta forma, assim como tu sempre foste…
Às vezes olhava-te e pensava…
Porque havia eu de gostar de ti? Antes, porque gostava eu de ti?
Era apenas uma forma diferente de me colocar a questão.
No entanto, se assim era na verdade, não queria obter, nem sequer precisava duma resposta.
Tratava-se apenas de um estímulo para me fazer pensar, sentir, voar…
e quedava-me com as minhas dúvidas, com a minha pergunta maior…

Se gostava de ti!?... De ti quem?
Ah, é tão redutor falar tão só de alguém!... Quando tu eras tanta gente…
Quando tu e eu fomos… tantos e tão poucos

Sim, gostava de ti quando te lembravas de mim,
quando me fazias sorrir e respirar também,
quando acordava pela manhã, e o teu olhar me desejava um bom dia.
Gostava de ti quando me procuravas e querias estar comigo,
quando não me abandonavas e sentia que vivias em mim,
que me acompanhavas e sofrias quando me encontrava fraco,
exultavas ao ver-me alegre e partilhavas cada dor e cada alegria
com vontade de repetir as emoções enquanto respirássemos o mesmo ar.

Também gostava de ti quando me rejeitavas e me obrigavas a pensar
que assim era porque tinhas medo de te entregar
ao doce encanto dos dias em que o que contava era a memória da pele,
que quando te afastavas, desejava-te na justa medida da espera que te traria de volta
e que juntos brindaríamos ao momento do reencontro.

Gostei de ti porque me habituei a gostar…
uma vez que sempre te conheci
e a cada instante que passava podia adivinhar o que vinha a seguir
porque me conhecias também.

Gostei tanto de ti que às vezes pensei que tal sentimento bastava
e que o melhor mesmo era separarmo-nos e cada um de nós poder seguir o seu rumo
mesmo sabendo que tal desfecho seria impossível
tal a dependência um do outro.

Gostei tanto, mas tanto de ti, porque tu foste tanta gente…
E nunca me cobraste, nem me tiraste nada, porque sabias que com o passar dos anos
tudo tornaria aos seus divinos lugares,
que o equilíbrio apenas existia se tu e eu existíssemos
e que quando um de nós faltasse, o outro adormeceria para sempre.

Gostei de ti quando me odiaste e me fizeste sentir insignificante
quando me mostravas que eu não era eu, que apenas nós fazíamos sentido
que o desprezo com que me brindavas
era apenas para me fazeres entender o quanto te maltratava
ao longo dos anos que se repetiram iguaizinhos,
e durante os quais o desfile de personagens que me encantavam e te desencantavam
deram em nada.

Gostei sempre de ti, à noite, quando a noite chegava…
E era à noite que te adorava… e te enganava…
A ti e a tanta gente…
E que me enganava a mim também…
Quando te deitavas comigo e me pegavas na mão
fazendo-me descobrir o meu corpo através de sonhos previamente encomendados
que me levavam ao Éden e me traziam de volta, a ti, pela manhã
quando descobria que tínhamos mais um dia pela frente para partilharmos.

Ahh!... E o quanto foi bom teres gostado de mim também…
Sim, não posso esquecer…
nos dias tristes em que perdi tudo…
Todos aqueles de quem eu mais gostei
A minha mãe, o meu pai, os meus tios, os meus avós… os meus amigos
Deste-me força e fizeste-me sempre acreditar que um dia nos reencontraríamos
Os amores que perdi e os que sem querer perdi também
E que não reencontrarei jamais
Sim, foste tu que me deste a mão e me levaste de novo à festa
Foste tu que me fizeste sentir que vale a pena prosseguir
E que a determinado momento voltar-me-ia a ser dada a oportunidade de reviver
o que é a alegria, o reencontro de amigos, a redescoberta de alguns prazeres…
E que hoje, perto do fim da linha, insistes em me fazer sorrir tranquilo

E hoje, hoje estas palavras são-te dedicadas
A ti que eu maltratei…
Foste na verdade a minha verdadeira companheira
Aquela que me aceitou como eu sou
E que por isso foste a única a quem eu fui sempre fiel e olhei sempre nos olhos
Mesmo doente e cansado mantiveste-te firme a meu lado
Obrigando-me, à força, a ter de ser eu a deixar-te
E assim ficares… viúva…
Se gostei de ti, vida?...

Tanto, tanto, que me falt _________________________________________

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