A noite soa-me a loucura
Só, em casa, oiço todos os
sons do mundo
Alguns que recordo
Outros que jamais ouvi
Consigo escutar minha mãe a
me ralhar
Som doce… e no entanto
Ignoro o pranto duma
criança, ao longe, a chorar …
À noite, em casa, quando
estou só
Sou invadido por uma esquizofrenia louca
Que me tele transporta do
meu sótão
Levando-me até junto daquela criança que sofre
Lá longe, no mais distante lugar do mundo
Onde mulheres desaparecem e
são esquecidas
Enquanto aqui eu escrevo, bocejo
e complacente durmo…
E é à noite que por vezes eu acordo
agitado
Nada de novo, já é costume…
Desperto de um sonho que me
instiga tremura
Acordo trémulo e confuso
Transpiro e às vezes enlouqueço, outras quase que vomito
Tal é a minha revolta
profunda
Por vezes choro, o que me acalma e acobarda a vontade do grito…
Ah sons do mundo que no
ouvido deste surdo
Surtem um efeito pouco
mais do que mudo
Não falando, quase juraria
que oiço
Consequência do silêncio
ruidoso que me invade
Deixando-me confuso ao não
compreendê-lo
Revoltando-me comigo ao
rever-me num ser cobarde
Que na verdade o sou por
mais que não queira sê-lo
Ah loucura que traz a noite
até mim
Que embora escura, é bela e
que por ser bela tem um fim
Enquanto aquela criança lá
longe sofre
Numa guerra estúpida que
destrói o seu mundo
Entre mulheres, seres violentados
Sob o olhar conivente de um
planeta surdo mudo
Escutando indulgente o eco dos silêncios amordaçados
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