segunda-feira, 23 de março de 2015

Virar da página

O virar da página
Quando já nada é esperado…

Livros são histórias
Contadas em muitas folhas
Intrigas que ficam para trás...

O virar da página
Momento tão desejado...
Um simples toque com o dedo, e... Zás!!...

A angústia do corte
O vazio do silêncio
O medo do torpor
Vestindo um luto de morte
Colorido pela dor...

Luta heroica e depois
Como travar a amargura?...
Viva o escritor sem medo da história!
Viva o leitor ávido de leitura!...
Viva tanto sofrimento dos dois!
Viva, viva, tanta loucura!...

O livro que caminha para o fim
Na ânsia insegura de que tudo foi escrito
Tem novo significado, sim
Na certeza de que nem tudo foi dito...
E no final, com o livro já fechado
A sensação de que algo foi apagado...

O  livro que não saiu da estante
A lombada firme aguardando o momento
Da mão que o pega e que perdida no tempo
Retoma o prefácio, tão perto, tão distante…

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quinta-feira, 5 de março de 2015

Meu nome é João Aristides Galaró, ou então, estranha forma de começar o dia

Hoje fui Aristides e Galo Galaró, ao mesmo tempo.
Porquê?... Ah, não sabem!?...
Antes de passar a explicar, sugiro que os mais pudicos e os mais impressionáveis, ou mesmo os mais depravados, da treta, é claro, fiquem por aqui.
O que aí vem pode ferir os ouvidos e as mentes de alguns leitores.
E pronto, a história do Aristides é a seguinte:
- Era uma vez uma quinta. Nessa quinta, havia um galo, de seu nome Aristides, já a entrar numa idade respeitável, é certo, mas segundo a opinião dos galináceos residentes, ainda muito competente.
Pelos vistos, não o suficiente para convencer o seu dono, que só pensava em lucro, em detrimento da satisfação geral, ou seja, da alegria no galinheiro.
O Aristides era um senhor e dava conta do seu recado, nunca deixando de colocar todo o seu savoir faire em tudo o que fazia.
A sua principal tarefa diária consistia em galar todas as galinhas poedeiras da capoeira, tarefa que desempenhava tranquilamente, para satisfação de cada uma das galinhas, já habituadas ao seu ritmo, charme e elegância, no ato.
Acontecia que, o dono, como muita gente que por aí há, começou a achar que o Aristides estava a ficar velho para o cumprimento da tarefa e, por isso, tratou de lhe arranjar um assistente, mais novo, a pensar já na sua reforma e imaginando o aroma e aparato do arroz de cabidela, no tacho.
Deste modo, por respeito, ou por sabe-se lá o quê, por peso na consciência, talvez, chamou o Aristides à parte e falou-lhe das suas intenções. Disse-lhe, em jeito de comprometimento:
- Aristides, conto com a tua compreensão e colaboração – ao que o Aristides, pessoa de honra marcada, acedeu e, desde logo, se prontificou a ajudar o seu novo colaborador.
Dois dias depois, o Galo Galaró, assim se chamava, foi-lhe apresentado.
Jovem, nervoso, cheio de tiques e de vontade, cedo percebeu que estava ali para lutar por um lugar ao sol e que emprego como aquele era tudo o que de melhor um galo podia aspirar.
O Aristides, perfeccionista e cavalheiro no desempenho da sua atividade, fez o que se chama um verdadeiro brefing, dando-lhe total conhecimento da sua tarefa diária e, como pessoa íntegra que era, não fugiu às suas responsabilidades de mentor, informando-o:
- Amanhã, pelas seis da madrugada, estarás aqui e eu acompanho-te na tua estreia. Dividimos a tarefa pelos dois e assim é tudo mais fácil.
Assim aconteceu. Na madrugada seguinte, quando ainda sonolento, a esfregar os olhos, chegou ao páteo da capoeira, o galo Galaró deu com todas as galinhas perfiladas, de rabo para o ar!... Ficou doido!
O Aristides, que mais parecia um capitão de companhia com o seu exército formado na parada, de asas cruzadas atrás das costas, caminhando de cá para lá, virou-se para o Galo Galaró e disse-lhe:
- É simples. A missão é galarmos as galinhas diariamente. Tu começas pela direita e eu pela esquerda, até nos encontrarmos no meio. Ah!... Existe um pormenor. Tudo tem de ser feito com o maior respeito pelas senhoras. Assim, quando te abeirares da primeira, ao mesmo tempo que a galas, cumprimenta-la “Bom dia, minha senhora”, segues para a segunda e dizes “Bom dia, senhorita”, novamente “Bom dia, minha senhora”… e assim sucessivamente. Posso contar contigo? – perguntou-lhe.
O Galo Galaró estava louco!
Disse que sim e colocou-se na linha de partida, do lado direito, conforme sugerido.
O Aristides, no lado esquerdo, deu o sinal de partida.
Com o seu ritmo habitual, o Aristides, tranquilo, cumprimentava uma a uma as galinhas, enquanto executava com calma e saber a sua tarefa.
- Bom dia, minha senhora – e passava à seguinte.
- Bom dia, senhorita – e lá seguia.
Investia na terceira e dizia:
- Bom dia, minha senhora – tudo com a maior das calmas.
Pelo seu lado, o Galo Galaró, muito acelerado, parecia funcionar em setenta e oito rotações:
- Bom dia minha senhora, bom dia senhorita, bom dia minha senhora, bom dia senhorita!! – como se não houvesse amanhã…
Ainda longe do meio da fila, o Aristides continuava:
- Bom dia, minha senhora…
E o Galo Galaró:
Bom dia minha senhora, bom dia senhorita, bom dia minha senhora! – até que!?...
- Bom dia senhorita, bom dia minha senhora, desculpa Aristides – (!?...)
Assim foi hoje!
Tal como com o Aristides, os anos passaram e resolvi fazer a revisão dos 50.000 Km, convencido que estou de que ainda existe um galo Galaró dentro de mim.
Mal sabia que nesta revisão teria de ser submetido à fatal ecografia à próstata, a fim de poder enfrentar os próximos 50.000 Km. Talvez o mais parecido em linguagem automóvel seja falar-se no check-up da centralina! Não sei se faz sentido, mas é sugestivo.
Pelo sim, pelo não, comprei a tal pistola para o médico me dar um tiro de imediato, caso o exame me fosse agradável.
Não foi preciso. Não gostei. Mas está feito!
Espero que o resultado seja encorajador e que eu possa continuar a dar conta da minha tarefa, se possível, meio Aristides, meio Galo Galaró.
Agora, o que me fez lembrar de toda esta história, foi o facto do Dr. Braço Forte (só o nome assusta! Imaginem quando o exame era feito por toque…), ao preparar-se para fazer a ecografia, com ar de quem não ia fazer coisa boa, me disse:
- Desculpe…
Aquilo soou-me a:
- Desculpa Aristides!...
Para o que um homem está guardado!?...

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segunda-feira, 2 de março de 2015

Contradição

A razão por que eu sou nada
É talvez por já ter sido
Uma história mal contada
Um poema sem sentido

Contradição do poeta!
Discussão intemporal
Toda a obra é sujeita
A controvérsia, é normal

Importante é refletir
Se a entrega foi total
Isso é que nos faz sentir
Quão a arte é universal

E em todo este desatino
A que se chama criação
A procura é o destino,
Destino é a insatisfação

Pobre poeta, pois então
Com sua vida baralhada
Poema sim em vez de não
Falsa história bem contada

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Segredo

Entre risos caminham a passo
Por Lisboa, tão linda cidade
Com suas bocas trocando humidade
Num só beijo que sela o abraço

E assim sendo há quem ponha a questão
Porque andaram os dois afastados
Será que se explicada a razão
Deixam todos de andar tão cismados?

Mas porque é que se havia de ter
A vontade de a todos falar
Muito mais interessante é ver

Para lá do que está bem à vista
Que o saber receber e o dar
É o segredo maior da conquista

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Questão geométrica

Nunca me olhei nas costas.
Nunca me olhei nos olhos.
Dito isto…,
Simplesmente não me conheço.

Não sei o que sentiria
Se o meu olhar penetrasse os meus olhos?
Ou tão só se apercebesse da largura dos meus ombros
Traçando uma perpendicular à verticalidade torta
Da minha coluna…

Não, o espelho não resolve.
Embacia frequentemente.
Apenas reproduz a imagem inicial.
Não mais do que a cópia ou o reflexo inflexo
Do eu que eu não conheço.

Vou comprar um esquadro p'ra com ele
Traçar todas as linhas tortas que desconheço.
Com um transferidor, transferir o ângulo
Da perspetiva das coisas
Perspetivando-o no plano do desconhecimento…

Fica assim a coisa mais simples…
Melhor mesmo não me conhecer!...

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